• Os trólebus

    Os trólebus

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    Em vias de completar 76 anos os trólebus de São Paulo têm bastante a nos ensinar e fazer refletir sobre a cidade, sobre políticas públicas e sobre nossa relação com a tecnologia. Mesmo com todas as dificuldades, o sistema – em conjunto com o do ABC Paulista – ainda é o maior da América Latina, porém não tanto pelo seu sucesso mas sim pelo descaso e desmonte de seus pares em outros países que também chegaram a ter tantos veículos e com redes tão abrangentes quanto as nossas.

    Trólebus Busscar Urbanuss Pluss LF
    Foto: Bruno Kozeniauskas

    Mas antes de falar sobre o trólebus no presente, e de apresentar o futuro deles, precisamos voltar no tempo e explicar, o que é um trólebus, no fim das contas? 

    A resposta curta seria a de que um trólebus é um ônibus elétrico alimentado por fios suspensos no ar, através de uma alavanca que é pressionada para cima com o uso de molas ou pistões. Mas para entendermos o contexto de cada aplicação dos trólebus pelas cidades ao redor do mundo temos que ir além de definições básicas.


    Passado
    Tecnologia
    Vem-se o asfalto, vai-se o trilho.
    No mundo
    Novo fôlego
    Crise
    Presente
    A revolução das baterias
    O trólebus de ponta
    Futuro

    (mais…)
  • A cidade anti-urbana

    Nas frias páginas redigidas pelo tecnocrata, a regra é clara: é a cidade, basicamente, um agregado compacto de um número considerável de pessoas. É, em suma, uma comunidade densa em que pessoas vivem consideravelmente mais próximas umas das outras e dos serviços.

    Tais características já são, por si só, combustível para a formação de agremiações mui distintas de suas contrapartes campesinas. Ora, se no campo o tempo é pautado pelas colheitas e perspectiva de trabalho sazonal, na cidade há constante demanda por pedreiros, ferreiros, marceneiros e afins, e seus amigos provavelmente morarão a uma distância andável.

    De súbito, a cerveja, a dança, a música se tornam companheiras diárias. Tavernas operadas por anônimos competem pela atenção dos passantes com letreiros chamativos. Às vezes, recorrem até a berros. É na cidade que o comércio floresce. E não por acaso, locais de intenso comércio na Europa medieval tornaram-se posteriormente cidades que existem até hoje.

    A isto se dá o nome de vida urbana. «Urbana», que vem do latim «urbe». Os romanos usavam o termo «Abe Urbe Condita» para denotar os anos passados desde a formação da cidade estado de Roma, da mesma forma como nós contamos os anos desde o nascimento de Cristo. Esta cidade não é qualquer cidade: é a pólis, como chamavam os gregos.

    Para todos os efeitos, a cidade era o estado. Não existiam estados nacionais e impérios eram formados pela federação de outras cidades estado anexadas a suas esferas de influência. Este poder político emprestou à cidade uma outra característica: a de ser um centro cívico e administrativo.

    Cidades têm poder. Tanto como somatória de seus quocientes eleitorais, como da força da grana de todos os pagadores de imposto sob sua jurisdição. É na cidade que se trava mais intensamente a luta por espaço. E é nela que se pode se ver e ser visto. Ser urbano é ser, sob este ponto de vista, ser habituado a este caos controlado, ladeado por todos os ângulos pelos mais diversos aspectos da vida.

    Todavia, nem todo habitante da cidade é um inequívoco «cidadão». Alguns se ressentem. Tomam, pela necessidade, um terreno longínquo, o único que lhes cabia nos bolsos, e ali vivem como se ainda habitassem suas chácaras envoltas pelo véu escuro da noite e de macieiras, laranjeiras, galinheiros, e por aí vai. Entrincheirados neste enclave híbrido da urbanidade com ruralidade, produzem uma realidade que funciona mal em ambos os casos.

    Esta é, enfim, a «urbanidade anti-urbana», da qual gostaria de tratar. A urbanidade contrariante do ex-campesino que se viu obrigado a largar a foice, para tomar o martelo. E, ainda por cima, se viu obrigado a fazê-lo enquanto mora muito longe da indústria que o emprega, gastando valioso tempo de vida em um deslocamento não remunerado pela companhia.

    Como pode um pacato ser humano interiorano se ver na figura de um «cidadão» se, desde sempre, «cidade» era como se chamava o distante centro, onde tudo, de fato, era como uma cidade. Redes de comunicação e energia consolidadas, comércios, restaurantes, escritórios. Quem ali vivia e trabalhava, talvez pudesse colecionar privilégios suficientes para se portar como orgulhoso cidadão.

    Os outros, presos na inexpugnável rotina casa->indústria, inevitavelmente se viam excluídos deste seleto clube. E, com isto, as áreas suburbanas foram tratando de criar suas própria soluções, de onde nasceram os pequenos centros comerciais, como, por exemplo, a Rua Zilda, na Casa Verde, a antiquíssima Freguesia do Ó ou mesmo Santo Amaro, para citar alguns exemplos em São Paulo.

    Com o tempo, estes enclaves produziram uma urbanidade periférica que, se supria estas comunidades desoladas, resultava num tecido urbano fragmentado, integrado por algumas rotas saturadas e assoladas pelo intenso deslocamento pendular.

    E aqui preciso pontuar que São Paulo é o ponto focal desta crítica. Talvez não seja a única cidade anti-urbana. É possível que Los Angeles, com toda a sua agressividade e comunidades espremidas entre as famigeradas «freeways», as auto-bahns urbanas do centro do capitalismo, possa ser tão anti-urbana quanto nós. E, ademais, é a nós mais fácil falar de nossa casa do que a de outrem.

    Esta urbanidade torta, forjada à sombra do capitalismo mal regulamentado durante os anos de formação dessa terra, nos deixa como herança um tecido urbano esgarçado em que, por onde quer que se olhe, há erros. Há obras feitas de qualquer jeito, há fios pendurados, há reparos executados da forma mais vagabunda e barata. Tudo isto fruto de uma comunidade que se conforma com a calamidade de tanto que esta fez parte de sua vida.

    Sou ambicioso, contudo. E de um idiota otimismo. Quero pensar que este pequeno, obscuro e provavelmente esquecível blogue contribua o seu 0,1% com a mudança desta cultura perniciosa, que corrói nossa relação com o espaço e nos impede de construir uma cidade integrada, com serviços à porta e distâncias caminháveis, e que, a cada vez mais, nos tem entregue ao mundos dos condomínios-clube acastelados, abastecidos por condôminos motorizados e mercadinhos internos, acessíveis apenas aos que ali moram.

    Pode ser que doa no começo. Mas é para ontem uma urbanidade receptiva, que demonstre aos mais desvalidos que a cidade não é propriedade de uns poucos afortunados do centro, mas também deles, sem os quais as complexas engrenagens metropolitanas não girariam.

  • O Inicio

    No dia 22 de abril coincidem duas datas comemorativas que me inspiraram a finalmente criar esse site e publicar o que penso quanto a nossas cidades, nossa nação e nossa economia, com foco nos desafios que devemos encontrar ao longo do século XXI.

    Antes de sequer imaginarmos a magnitude da emergência climática da qual nos envolveríamos, ainda na virada da década de 1970, movimentos de ativistas do meio ambiente, da paz e sindicalistas da indústria automobilística se uniram, fortaleceram e culminaram naquilo que viria a ser o Dia Internacional da Terra. 

    Manifestantes na passeata do que viria a ser o dia internacional da terra em Nova York
    NYC Dept. of Records and Information Services

    Realizado no dia 22 de abril de 1970 nos Estados Unidos e com mais de 20 milhões de manifestantes nas ruas, ficou marcado na história ao trazer visibilidade a discussão do meio ambiente e da paz. Os tempos eram outros: a gasolina ainda era barata, a guerra do Vietnam rolava solta, e a noção de responsabilidade para com a natureza ainda engatinhava.

    Muito mudou daquele 22 de abril para cá. A data ganhou um significado maior e com muita pesquisa e dedicação de inúmeros cientistas acabamos descobrindo o tamanho do problema em que nos encontramos. As mudanças climáticas são reais, já estão acontecendo e somos responsáveis diretos por elas. 

    A emissão desenfreada de gases causadores do efeito estufa na atmosfera que ocorre desde a revolução industrial desencadeou uma situação perigosa que agora temos que agir para conter. 

    Ao mesmo tempo, a revolução industrial foi um marco importante que trouxe uma elevação da qualidade de vida nunca antes vista na história da humanidade. É a mesma revolução industrial que permite eu ligar esse computador e escrever esse texto. Uma contradição com a qual temos que conviver e saber lidar.

    Gravura da Barrow Hematite Steel Company Limited na inglaterra.
    Domínio público

    Muitos podem negar a existência, ou reclamar por metas tidas como demasiadamente draconianas, porém a emergência climática é real e temos que fazer alguma coisa antes que chegue em um ponto de não retorno. 

    Porém ao superar a fase da negação nos resta duas opções: encarar a realidade pelo viés negativo de que nada pode ser feito e que estamos condenados, sendo mais conveniente e confortável manter as coisas como estão, o que assisto em grande parte de minha geração.

    Ou colocar os dois pés no chão, ter uma visão de 360 graus, refletir e aprender com o passado, pensar no presente e discutir e debater o futuro para que possamos atravessar esse desafio de forma a nos fortalecermos e sairmos melhor do outro lado. Esse é o meu viés e esse é o viés deste site.

    Nosso ponto de partida é o presente, porém é essencial refletirmos sobre o passado e aqui emendo com outro evento que ocorreu em um 22 de abril: Em 1949 circulou pela primeira vez em linha comercial os trólebus que ligavam o bairro da Aclimação com o centro.

    Trólebus ACF Brill fazendo a linha Aclimação – Centro em 1949.
    SPTrans

    O sistema de trólebus de São Paulo deve comemorar 76 anos nesse 22 de abril. A linha acima citada ainda existe e os trólebus continuam a circular, mas hoje ele é a sombra daquilo que já foi. 

    Há bastante o que se falar sobre o descaso com os trólebus, mas também muito há o que se falar sobre o descaso com as ferrovias, sobre os rumos da eletrificação de nossas vidas que ainda são absurdamente dependente dos combustíveis fósseis e deve ser promovido com urgência. 

    Também há de se falar do uso do solo e nossa relação com as cidades, além de questionar o futuro de nossas vidas em um mundo cada vez mais digitalizado onde o home office cresce e a inteligência artificial libera nossas inseguranças. 

    Tudo isso e muito mais deve ser abordado nesse site mas precisamos de um ponto de partida, e dado a ameaça de extinção de todo um modal de transporte pairando no ar, falaremos sobre os trólebus.